Proposta para a Construção de um Ecossistema de Empreendimentos Sustentáveis na Amazônia

30/04/2010

Pesquisa & Desenvolvimento: Segredo de sucesso econômico no mundo globalizado



Para desenvolver uma complexa rede de sustentabilidade baseada em uma família de empreendimentos nas comunidades de prática, com participação de todas comunidades de interesse90, existe a necessidade de um envolvimento especial da comunidade do conhecimento. Como se vê em praticamente todas as histórias de sucesso econômico do mundo moderno, um engajamento comprometido e continuado da ciência e da tecnologia nos empreendimentos é condição sine qua non.

No Brasil os exemplos destas associações são muitos e candentes. Sem a qualidade da pesquisa agronômica aplicada feita na EMBRAPA91 não haveria o sucesso presente da agricultura no cerrado, sem a intrepidez da pesquisa de engenharia feita no CENPES da Petrobras não haveria exploração de petróleo em águas profundas. Sucessos como estes são inúmeros, e também inúmeros são os exemplos de fracassos retumbantes de empreendimentos onde a comunidade do conhecimento ou não é chamada, ou não quer se envolver ou ela mesma é pouco desenvolvida. Neste sentido, a Amazônia coleciona um grande número de fracassos por padecer gravemente desta desconexão. Uma das principais razões para tal quadro é a própria inanição da comunidade científica residente92. Mas mesmo quando existe fomento direto para pesquisas engajadas, como foi o caso com o PPG793, as agendas científicas exibem tipicamente a perspectiva acadêmica, sem um compromisso de longo prazo com a implementação comercial dos resultados da pesquisa. É lugar comum na academia que uma vez terminado um determinado financiamento, com artigos científicos publicados, o time de pesquisa segue adiante para algum outro assunto e outro financiamento. Mas é também característico que os programas de financiamento de pesquisa não financiem especificamente atividades e abordagens que brindem o sucesso de empreendimentos nas comunidades de prática.

Mas seriam estes os únicos fatores para as grandes dificuldades da P&D com viés prático na Amazônia? Analisemos um exemplo emblemático. Por décadas a EMBRAPA investiu no desenvolvimento de tecnologias para adequar a seringueira ao plantio homogêneo na Amazônia. Diferente do sudeste asiático e mesmo de áreas de exclusão fitossanitaria no Brasil (SP, BA, etc.), a Amazônia concentra condições climáticas ideais para o desenvolvimento do fungo Microcyclus uley que produz o mal das folhas94. Este fungo é um inimigo natural da seringueira, então como a planta sobrevive e produz látex na selva nativa?

A ecologia ensina que em ecossistemas complexos como a floresta Amazônica uma das
principais estratégias de defesa que as plantas usam contra seus inimigos naturais é
dispersarem-se na enorme salada de biodiversidade da floresta não perturbada, contando
com a improbabilidade estatística de serem encontradas. Por esta razão as árvores nativas
da floresta, como a seringueira, desenvolveram elaborados mecanismos para garantir sua
esparsa dispersão na floresta, nunca ocorrendo em grandes agrupamentos de indivíduos, como
ocorre nos plantios artificiais homogêneos. Quando uma tecnologia aparentemente bem
sucedida da EMBRAPA para viabilizar plantios homogêneos na Amazônia foi finalmente
testada (enxertia dupla com raiz de uma variedade, tronco de outra e copa de uma terceira
que resiste ao mal das folhas) a economia demonstrou que era mais barato plantar a
seringueira não-tecnológica fora da Amazônia, e todo o investimento nesta tecnologia ficou
sub-utilizado.

Para dimensionar a implicação deste exemplo de pesquisa aplicada mal sucedida nas propostas
do Fênix Amazônico comparemos os dois centros de excelência em pesquisa aplicada mencionados no inicio desta seção. O CENPES da Petrobras faz pesquisa aplicada e desenvolvimento de tecnologia para extração e processamento de uma substancia orgânica
inerte, o petróleo; a EMBRAPA faz pesquisa aplicada e desenvolvimento de tecnologia com
organismos vivos, ecossistemas e ambientes visando a produção de alimentos, vestuário,
combustíveis e uma grande variedade de outros produtos orgânicos. Embora a extração e
processamento de petróleo possa ter enorme impacto potencial sobre organismos e ecossistemas, este impacto tende a ocorrer raramente, em acidentes. Já a manipulação direta de organismos, ecossistemas e ambientes tem o impacto sobre os mesmos como précondição, inerente à própria atividade. Em outras palavras, todas as atividades de melhoramento genético de plantas ou animais, desenvolvimento de técnicas de cultivo ou criação e de técnicas de processamento, entre outras atividades de manipulação, leva inexoravelmente a impactos biológicos, ecológicos e ambientais. O problema identificado no contraste destas duas renomadas instituições de pesquisa aplicada é que o substrato temático da EMBRAPA (biologia, ecologia, bioquímica, genética, biogeoquímica, sociologia, economia, engenharia, pedologia, química, e dezenas de outras disciplinas) reúne complexidade muitas ordens de magnitude superior ao substrato temático do CENPES (química orgânica, geologia, oceanografia, engenharia, economia, química e poucas mais)95. Não obstante, as filosofias de trabalho das duas instituições, em termos de abordagens e valores, não são muito diferentes. Em função da ciência básica estar na maioria das vezes muito distante das questões aplicadas, uma abordagem comum de engenheiros e tecnologistas para a P&D é valer-se de aproximações empíricas, usar tentativa e erro. Nesse contexto, simplificar passa a ser essencial para o desenvolvimento de soluções práticas. Naturalmente que quando um novo conhecimento básico torna-se disponível estes pesquisadores tenderão a assimilá-lo rapidamente, tirando os melhores benefícios nas suas implicações práticas. Mas como indicado anteriormente (ao longo do projeto Fenix Amazônico), organismos, ecossistemas e a própria biosfera, em função de sua complexidade não se rendem a simplificações sem cobrar um preço alto nas conseqüências.

E aqui surge clara a razão das muitas debilidades em termos de resultados práticos da pesquisa aplicada na Amazônia. Como os ecossistemas Amazônicos são absolutamente superlativos em termos de complexidade, a simplificação aplicada a estes para desenvolvimento de soluções verticais típicas da visão de engenheiros e tecnologistas tem logicamente que terminar mal. Mesmo quando uma dada tecnologia vertical aparentemente resolve o desafio reducionista a que se propôs (como no caso da seringueira com dupla enxertia), outros fatores inerentes às múltiplas dimensões de complexidade na Amazônia acabam por lançar a solução à pilha de peças inteligentes, mas inservíveis na construção de sistemas produtivos, competitivos, atraentes e sustentáveis. Qual seria então o caminho para que a pesquisa aplicada produzisse soluções com melhor sorte para o desenvolvimento da Amazônia?

Como sugerido anteriormente, o sistema natural cuja evolução levou dezenas de milhões de anos apresenta um repertorio incomparável de “soluções” com grande potencial para utilização e desenvolvimento. Uma nova disciplina na área da engenharia está nascendo no primeiro mundo com o nome de biomimética. Uma das primeiras façanhas desta nova disciplina foi revelar que a borboleta Morpho da Amazônia produz aquele azul iridescente de sua asa sem o uso de qualquer pigmento azul, mas com nanométricos cristais fotônicos que manipulam a luz de modo muito mais sofisticado do que qualquer micro aparato ótico em avançadas redes de fibra ótica de alta velocidade. Sem demora os pesquisadores ingleses 96 autores da investigação copiaram as tais nano estruturas orgânicas em silício e reproduziram o efeito em laboratório. Também sem demora estes pesquisadores patentearam seu desenvolvimento, e muito provavelmente nós, que possuímos a Morpho em nosso patrimônio de biodiversidade, estaremos pagando royalties para aquele grupo distante. A lição que fica é que a biodiversidade não representa apenas um patrimônio vivo de valor poético e ecológico, ela concentra trilhões de dólares potenciais em tecnologias sofisticadíssimas que estão à disposição da nossa sociedade se soubermos aproveitá-las. Basta que primeiro saibamos substituir motoserras, correntões, fogo, soja, boi, eucaliptos e similares por avançados laboratórios de pesquisa que não somente estudem o tesouro verde de modos convencionais, como faz monotonamente a ciência básica, mas que busquem soluções práticas através da sofisticação biológica, que possam ser aproveitadas em sistemas produtivos dentro da Amazônia.

O ecossistema Fênix Amazônico propõe então uma estratégia-ponte entre pesquisa básica e aplicada para funcionar como um catalisador ao sucesso da P&D na Amazônia: o desenvolvimento de uma nova disciplina, a ecomimética. Similar à biomimética, a ecomimética será um novo ramo da engenharia que estudará que mecanismos os organismos e os ecossistemas usam para resolver desafios ambientais relevantes para a sobrevivência e para manter-se produtivos. Esta não será uma disciplina reducionista no sentido convencional, embora venha a usar ferramentas específicas e poderosas desenvolvidas por uma gama de outras disciplinas. Como ciência integradora, ela emprestará os conhecimentos fundamentais das ciências básicas, mas irá além empregando também o pragmatismo das ciências aplicadas, produzindo assim uma sinergia com potencial de produzir soluções tecnológicas de grande valor intrínseco, mas casadas já de nascença com diminuído potencial de impacto biológico e ambiental. Cremos que nenhum outro País tem melhores condições para o florescimento espetacular da ecomimética que o Brasil, o País Verde e berço de Santos Dumont.

Notas

90 Comunidade de interesse (stakeholder) difere da comunidade de prática (caretaker) porque a última refere-se mais àqueles grupos e
pessoas diretamente envolvidos no empreendimento, nas fronteiras rurais, enquanto que a primeira engloba todos os participantes e
parceiros.

91 A EMBRAPA, precisa ser dito logo de início, tem uma série de abordagens com grande potencial em termos de respostas às demandas ambientais e ecológicas. Áreas como sistemas de produção sustentável e uso sustentável de recursos naturais são tradicionais na empresa.
Novas áreas como sistemas de produção agroenergéticos, segurança alimentar, biologia avançada e nanotecnologia prometem muito em termos de tecnologias com potencial para emprego na Amazônia.

92 A Amazônia produz 7% do PIB Brasileiro, mas a pesquisa científica Amazônica recebe apenas 0,2% dos recursos federais para Ciência & Tecnologia.

93 Programa de Pesquisa e Desenvolvimento (PPD) do programa piloto para a proteção das florestas tropicais Brasileiras PPG7 www.mct.gov.br/prog/ppg7/Default.htm

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